Meus olhos verdes (parte IX)

Por Rogers Silva

* Os capítulos 27 a 29 do folhetim podem ser lidos AQUI

30 –

“Você vai vir no seminário amanhã à noite? – perguntou um rapaz da sala de Geisel, ao saírem do bloco de Geografia, terminada a aula de sexta-feira.” “Vou sim, e você?” “Vou também. Acha que vou perder um seminário de Geografia econômica? É a minha área, pô.” Os colegas já tinham descido a escada e, agora, se encontravam em frente ao carro de Geisel. O rapaz despediu-se e foi em direção ao seu carro. Geisel: “Nos encontramos amanhã, até mais – despediu-se também.” Ao ir embora para casa, o vento frio, a velocidade baixa, Geisel reparava por onde passava. Num muro branco leu, negra, a pichação:

ninguém é inocente
ass: eu, O Fera

E se lembrou, algum dia, remoto talvez, ter escutado o mesmo.

31 –

Geisel, após chegar em casa, trocou a roupa, foi à cozinha comer alguma coisa, se sentou um pouco na sala e se direcionou ao quarto, seu local favorito. Pensava, ao olhar aquele espelho grande, em como o ganhara. Seus pais, antes de ele vir para Uberlândia, disseram-lhe para trazê-lo. Tinham-no comprado numa dessas lojas de móveis antigos, numa viagem ao Rio de Janeiro. Acharam-no lindo e instigante. Geisel tinha dez anos quando compraram o objeto numa loja do Rio. Agora, ele foi ao som e colocou uma música da Ivete Sangalo, deitou na cama e, embalado pela melodia da canção, olhando distraidamente a moldura desgastada do espelho, pensava em Jéssica. Achava que ela tinha sido a melhor coisa que acontecera em sua vida. No dia seguinte, sábado, acordou cedo e foi ao shopping trabalhar. Chegou em casa às seis da noite. O seminário começaria às sete. Precisava se arrumar rapidamente. Desde quinta-feira não falava com Jéssica, por isso, ao tomar banho, se vestir, pensava nela... Durante toda a tarde, tentara se comunicar com ela, falar-lhe do evento acadêmico no sábado, mas não a encontrara. Pelo telefone sua mãe dissera que Jéssica havia saído. Mas Geisel, agora em casa, não se preocupava em não tê-la encontrado, pois pensava nas últimas palavras ditas, estranhamente, na quinta-feira, último dia em que se falaram: Eu te amo, viu? Nunca deixe de acreditar nisso – e desligara o telefone. Falara meio soluçosa.

32 –

Geisel descia pela avenida Segismundo Pereira, no seu Chevette rebaixado, curtindo o aroma do vento que, suave, passava a impressão de que a noite ia ser agradável. Uma noite agradável – pensava. – Depois do seminário, se não demorar, vou ligar pra Jéssica ir lá pra casa. Aproveitar a noite... O seminário ocorreria no auditório do Bloco B, perto do Bloco A e, um pouco mais acima, do Bloco J. Estacionou o carro em frente a este bloco e, ao fechar a porta, avistou um casal (Ou não... – pensou), bem próximo um ao outro. Geisel se direcionou rumo a eles, pois teria que passar por perto para ir ao bloco onde aconteceria a palestra. De repente, um baque. Ao olhar involuntariamente para o casal que parecia namorar, tão grudado, sentado no mesmo banco em que ele tinha dado o primeiro beijo em sua namorada, um grande abalo. Um tremor tomou conta do seu corpo inteiro. Ficou sem palavras, sem ação, sem percepção dos sentidos, completamente desorientado ao enxergar os olhos brilhantes de Jéssica (aparentava um olhar apaixonado) direcionados a... a... que-que..., meu Deus!, a beijava? “Agora sim, tá tudo claro!” Despediam-se? Já?! Marina, após o-o, Deus, beijo?, e um beijo apaixonado, sim!, viu Geisel parado, olhando, perplexo, e se assustou. Apontou o indicador, cutucando Jéssica. “O quê?” Jéssica, uns cinco segundos depois, também o viu. Não pareceu se assustar muito. Apenas arregalou um pouco os olhos. Mas recompôs-se. E olhou-o com um semblante tão calmo que aquilo fez crescer sua raiva momentânea. Uma confusão de sentimentos o atormentava. “Agora sim!” Não sabia o que fazer. “Tava na cara!” Pasmou-se ante a inexplicável traição de Jéssica. E logo com ela, com Marina.

33 –

Enquanto Jéssica tentava se explicar, acusando-o de estar tão ausente ultimamente (Ausente? – não se conformava com as desculpas) e dizendo que mesmo assim nada fizera, agüentara, apesar da carência, Geisel olhava-a e se lembrava de forma confusa do quadro de armação bronze com rajadas negras que dois dias antes mandara fazer, o rosto dela estampado – uma foto, ampliada num estúdio, que tiraram numa dessas viagens de reconciliação. Um quadro que daria à namorada, mas, enquanto não lhe presenteava, tinha o colocado na parede do seu quarto – substituído o mapa da cidade natal pela peça. O rosto concreto, este, se fundia ao rosto da foto. Um semblante tão estranho, tão desconhecido dele. Como, em mais de nove meses, nunca percebera essa feição? Deus, como pude ser tão tolo? Por que ela fez isso? “Por quê?!! – e o grito instintivo.” Jéssica se assustou. Mas forçou para permanecer na situação de aparente normalidade que escolhera forjar. Marina ficava a uns cinco metros de distância olhando-os, com um semblante entre constrangido e cínico. Depois de Jéssica dizer a Marina algo, talvez que queria conversar com Geisel, que as olhava (com um olhar incompreensível), parado – depois ela se afastara. Agora Geisel e Jéssica conversavam. E Marina (pouquíssimas pessoas espalhadas, aqui, ali, cúmplices) a uma certa distância os observava.


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