Meus olhos verdes (parte XI)

Por Rogers Silva
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* Os capítulos 34 e 35 do folhetim podem ser lidos AQUI
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36 –

“Até que enfim a música ridícula que estava tocando acabou, pois não tem nada a ver com a situação que relembro agora. Quero uma canção que eu possa questioná-la. Talvez esta:
Eu tranco a porta pra todas as mentiras
E a verdade também está lá fora... Será que existe verdade lá fora?
A porta fechada me lembra você a toda hora...
Que tanto de ‘portas’ são essas?
Orientação...
Eu tranco a porta pra todos os gritos...
Que música sem sentido é essa?
E o silêncio também está lá fora. Lá fora só existe silêncio. Mecanicamente disfarçado por palavras vazias. Que só machucam. Ou para nada servem. Palavras, somente palavras...
Será que eu tô trancado aqui dentro?...
Que música sem sentido!
Será que as perguntas são certas?... Vou tirar da rádio e colocar um cd. Essa não! Não estou entendendo nada! Sem nexo já basta a vida! – mesmo chorando eu penso, indignado com a falta de razão para o que aconteceu. Eu preciso de motivos óbvios! Jéssica, eu preciso saber por que fez isso. Vem aqui agora e me diga!  em... Não consigo entender... 
Por que eu choro tanto, meu Deus? Talvez com o cair das lágrimas o sofrimento seja aliviado. Que se danem aqueles que queiram explicar meus sentimentos! Que se danem os psicólogos! Jéssica vai ser psicóloga... Que Jéssica se dane! Explique e dê-me solução! Progressos do ser humano, se sofre mais, mais? Me explique isso! Por que o homem, a cada dia, sofre mais e mais vazio fica?
Um cd. Outra música. Quero uma música que me faça relembrar de tudo, mas sem ódio, sem raiva, sem remorsos. Que a mágoa, aos poucos, acabe. Tomara. Ou... Comece. Começa:

Não sei por que você se foi
Quantas saudades eu senti
E de tristezas vou viver
E aquele ‘adeus’ não pude dar
Você marcou na minha vida
Viveu, morreu na minha história
Chego a ter medo do futuro
E da solidão que em minha porta bate
E eu... gostava tanto de você
Eu corro, fujo desta sombra
Gostava tanto de você...
Gostava tanto de você
   
O som melancólico e triste do piano ajuda minhas lágrimas caírem. Mas não caem como anteriormente, velozmente, desesperadamente. Realmente, eu gostava tanto de você.

Em sonho vejo este passado
E na parede do meu quarto
ainda está o seu retrato
Não quero ver pra não lembrar
Pensei até em me mudar
Lugar qualquer em que não exista
o pensamento em você

Aqui no quarto, não. Aqui há este espelho estúpido que me olha a todo o instante. Diminuirei o volume e ouvirei mais suavemente a canção. Vou para a sala...

Enquanto aqui permaneço, na sala, nesta mesa pequena, chorando, relembrando do passado – enquanto isso, ouço a música distante, baixa. E sorrio chorando quando relembro do sorriso espontâneo de Jéssica. De sua boca falando que me amava. Mas amava? Uma profusão de emoções. Lugares-comuns. Tenho o direito? Enquanto caem as lágrimas, a canção que lá do quarto vem ajuda-me a livrar do câncer que me corrói o peito. Ou o estômago?

Não sei porque você se foi... Não, você não se foi. Você está aqui, pertíssimo de mim. Você marcou em minha vida... Mas um dia esta marca irá embora. Sei. Chego a ter medo do futuro e da solidão que em minha porta bate... Bate. Entra. E toca:

E eu... gostava tanto de você

Eu corro, fujo desta sombra. Em sonho vejo este passado... Por incrível que pareça, na parede do meu quarto ainda está o retrato de Jéssica. Não quero ver pra não lembrar...

37 –

Vinte dias depois da inexplicável traição, Geisel ainda não falara com Jéssica. Acabara completamente o vínculo. Nem ela nem ele tentaram reatar, dar explicações, pedir explicações, se desculpar nesse tempo que passara. Geisel, no dia do seu aniversário (15 de dezembro), às sete horas da noite, numa sexta-feira, encontrava-se no quarto, deitado na cama, olhando o teto e pensando, quando o telefone tocou. Refletiu... Não. Repensou... Foi atender. Depois de tê-lo atendido e ouvido, com certa resistência, Marina falar, sentou-se no sofá, estranhamente paralisado. “Não é possível. Deus! Meu Deus! Isso não pode ter acontecido”. Não conseguia acreditar no que ouvira. O susto paralisou-o. Perplexo ante um mundo, o seu, que desabava, ficou ali, inativo. As palavras de Marina soaram novamente em seus ouvidos. Deixou-se cair no sofá.


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