Onde é que há gente no mundo?


Numa época de pessoas tão certas de suas verdades, tão convictas, tão perfeitas, tão radicais em suas crenças, tão moralistas e corretas (ah, mas tão pouco éticas!); numa época de descarte de pessoas por elas não se encaixarem nas expectativas tolas do outro; nessa época - NESTE lugar - em que sempre o outro é o preconceituoso, sempre o outro é o racista, sempre o outro o arrogante, o errado é sempre o outro; numa época em que raramente alguém confessa sua precariedade, seus atos falhos, seus pensamentos mais obscuros; numa época dessa seria bom sentir o calor da mão de alguém precário, tolo, vil - mas onde? Onde?



"Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma covardia!
Não, são todos o Ideal, se os ouço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?" (Fernando Pessoa).



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