A literatura brasileira está fadada ao fracasso?

 

Por Rogers Silva 

A literatura brasileira, embora tematicamente profunda e esteticamente rica, parece estar sempre sendo renegada. Parece? Não só parece. Vejamos a lista dos vinte e cinco (25) livros mais vendidos da Amazon em 2022. Há nela apenas um representante da literatura brasileira: Torto arado, de Itamar Vieira Jr. Com exceção de mais uma obra brasileira (Do mil ao milhão. Sem cortar o cafezinho, de Thiago Nigro), do tipo autoajuda que não ajuda mas também não atrapalha, todos os outros da lista são estrangeiros. 

A literatura estrangeira possui enorme popularidade no Brasil. A brasileira, não muito. Muito pouca, na verdade. Por que será? Há muitas razões pelas quais a nossa literatura tem sido relegada a segundo/terceiro/último plano, e não daremos conta de todas elas, óbvio. Mas vamos tentar refletir sobre algumas, certo? Certo. 

Em primeiro lugar, muitas pessoas acreditam que a literatura brasileira não é tão bem escrita quanto a literatura estrangeira. Os leitores médios (em especial os pré-adolescentes, adolescentes, jovens, jovens adultos) costumam crer nessa mentira cabeluda. É mais ou menos o que ocorria quando minha geração era criança/adolescente/jovem: acreditávamos que nos EUA se fazia o melhor cinema do mundo sem, ao menos, conhecermos o cinema de qualquer outro local do planeta. Ou seja, uma boa parte dos leitores brasileiros (que, sabemos, são poucos) não dá nenhuma (ou pouca) chance para a literatura brasileira por conta de pré-conceitos, em geral, equivocados. 

Em segundo lugar, muitas pessoas argumentam que a literatura brasileira é muito regionalista e, por incrível que pareça, não se conecta com o público brasileiro. Acredito que é preciso ser regional para ser universal, como dizem muitos críticos e escritores. Alguns precisam olhar no fundo de si e dos seus para conseguir enxergar aquilo que o ser humano possui de mais universal e, em consequência, consigam falar com o maior número possível de pessoas. Em casos extremos, como no caso “Guimarães Rosa”, compreendê-lo é de fato difícil, não só por conta das temáticas abordadas, mas sobretudo pela linguagem criada/utilizada. Guimarães é um famoso desconhecido no seu próprio país. 

A forma como a literatura brasileira, em geral, lida com questões universais passa bastante por questões regionais. Poucos autores/obras essencialmente urbanos(as) conseguem ser tão universais quanto os ditos regionais, como Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade (um misto de regional e urbano), Erico Verissimo, etc. O fato de parte dos leitores não conseguirem se conectar com a obra regional/universal da literatura brasileira diz muito mais sobre a população brasileira, que tem dificuldade de se enxergar, do que necessariamente sobre os escritores. Inclusive, essa questão é tese de muitos sociólogos brasileiros. 

Em terceiro lugar, muitas pessoas argumentam que a literatura brasileira não é tão inovadora quanto a literatura estrangeira. Ledo engano. Ao contrário, boa parte da literatura brasileira sofre da Síndrome do Experimentalismo (o cinema sofre dessa mesma Síndrome), e muitos escritores acreditam piamente que para ser excelente ou genial precisa ser, necessariamente, experimental. Em outros países, ao contrário, muitos escritores (e cineastas) só escrevem seguindo modelos, padrões, jornadas de heróis, etc., o que facilita na identificação e comercialização das suas obras. Há um padrão, e poucos fogem desse padrão. Sabe aquela sensação de já ter lido aquela história em outro lugar? Será algo bem recorrente se um leitor começar a acompanhar as ficções estadunidenses best-sellers, por exemplo. Se acompanhar as obras literárias ficcionais brasileiras, é pouco provável que o leitor tenha essa sensação. 

Além disso, a falta de investimento e apoio à literatura brasileira (pelos próprios escritores, pelo Estado, pelos leitores, pela sociedade em geral) é um fator importante para o seu desprestígio em relação à literatura estrangeira. Os escritores brasileiros muitas vezes lutam para conseguir publicar seus livros e ganhar o mínimo de reconhecimento (uns 100 leitores, por exemplo). Enquanto isso, os escritores estrangeiros são frequentemente promovidos e apoiados por editoras e por seus governos. Chegam aqui com uma estrutura de marketing e comunicação que pouquíssimos escritores brasileiros possuem. Pouquíssimos mesmo. Em uma corrida de 30 quilômetros, um escritor iniciante brasileiro sai da linha da largada e alguns escritores estrangeiros saem no quilômetro 29º. Qual a chance de um escritor brasileiro ganhar essa competição? 

Um escritor brasileiro pode ter escrito uma obra excelente, genial, interessantíssima, etc., mas a chance de ter uma divulgação e distribuição competentes é quase nula. Ou seja, a chance de muitas pessoas terem acesso à sua sinopse é pequeníssima, imagina à obra impressa! Em geral, o próprio autor é o divulgador e distribuidor do seu livro. Sua capacidade de projetá-lo é mil vezes menor do que a de um autor estrangeiro renomado que fez sucesso no seu país de origem, cuja obra é publicada/distribuída por uma grande editora brasileira. É uma concorrência desleal. 

Soma-se a isso os escritores que, ainda na segunda década do século XXI, vivem numa redoma (aquela construída há séculos e destruída há décadas). Acreditam que sua única função no mundo é escrever e a função dos outros, seus serviçais, é divulgar sua genialidade. É bastante comum encontrar essa peça no meio literário. Ele/ela envia um texto para uma revista e fica, de tempos em tempos, inquirindo os editores (quase sempre escritores que trabalham sem ganhar um centavo) se já leram seu texto, se vão publicá-lo, quando vão publicá-lo, enfim. Ele é chato. Ele quer porque quer que todos descubram e aceitem sua genialidade, mesmo que ilusória. Muitas dessas peças só divulgam sua própria literatura, não prestigiam seus pares, acham que estão acima de tudo e todos e juram – santa ingenuidade! – que vão fazer sucesso. Em geral, só leem os clássicos, são blasés e escrevem uma literaturazinha ultrapassada. 

A literatura brasileira tem muito a oferecer e merece mais reconhecimento e valorização. É uma literatura diversa em suas formas e temáticas. Precisamos – a começar pelos próprios escritores – apoiar nossos escritores e investir (leitura, tempo) mais em nossa literatura. Precisamos divulgá-la sem dó e vergonha. Precisamos criar campanhas de leitura com foco na literatura brasileira (contemporânea). Precisamos encher os eventos e lançamentos, nem que seja com escritores que leem escritores. Precisamos criar redes (de leitura, de divulgação, de distribuição mútua). Também precisamos mudar nossa mentalidade em relação à literatura brasileira e aprender a nos reconhecer nela. Devemos parar de menosprezar nossa própria cultura e aprender a celebrá-la. Devemos nos orgulhar de nossos escritores e obras literárias e reconhecer seu valor e importância para nossa sociedade. Um povo que tem vergonha da própria identidade é um povo que tenta, a todo momento, dar um pé na própria bunda.


Dicas subjacentes a outros escritores: 

  • Seja bom, mas não precisa ser experimental o tempo todo. Leia os clássicos, mas leia os contemporâneos também.
  • Seja acessível. Não seja arrogante. Não se considere o novo gênio da última semana. Nada mais irritante do que escritor blasé.
  • Não tenha medo de divulgar sua própria literatura, se acredita de fato nela. No entanto, nada custa divulgar autores/amigos em cuja literatura você também acredita. Não seja egocêntrico.
  • Hoje, além de escritor, é necessário que você: tenha conhecimentos de publicidade e propaganda, internet, mercado editorial, redes sociais etc.; seja vendedor do próprio livro; seja distribuidor do próprio livro; promova eventos artístico-literários. Não tenha medo de usufruir de ferramentas de outras áreas. Ou seja, não acredite que o texto literário basta. É uma dura realidade, mas não basta.

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