O Projeto Portal e uma difícil tarefa



Antes de tudo, é necessário apresentar o Projeto Portal: é uma série de livros de narrativas de ficção científica e literatura fantástica com periodicidade semestral. Ao final, serão no total seis números (impressos). Cada número homenageia, no título, uma obra célebre do gênero: Portal Solaris, Portal Neuromancer, Portal Stalker, Portal Fundação, Portal 2001 e Portal Fahrenheit. A idealização do projeto é de Nelson de Oliveira. De acordo com o idealizador, "o projeto pretende ampliar o limite temático auto-imposto pela literatura, abrindo as possibilidades para que a arte da palavra se renove e saia da mesmice em que se encontra". O objeto desta resenha é o terceiro da série, o Portal Stalker. Em agosto, agora, está sendo lançado e divulgado o Portal 2001.

Antes de mergulhar nos contos (ou de ser experimentados por eles?) do Portal Stalker, eis uma interessante (e nada comum) apresentação de Nelson de Oliveira: Nas próximas páginas, boas mordidas e muitos beijos. Muitos mesmo. Dos outros. Pois a outridade é o que nos define. (...) Através deles (dos contos) você visitará outros mundos, outros metabolismos, outros sistemas de pensamento. Ou será por eles visitado. E é exatamente essa a impressão do leitor ao final da leitura: de que se transmigrou (termo usado pelo Nelson em sua apresentação), de que visitou mundos antes nunca visitados. E isso é bom.

O primeiro conto do livro, Gigantes, de Mayrant Gallo, é razoável (diferentemente do seu conto, que é muito bom, publicado no primeiro número do Projeto Portal), sobretudo por causa do seu final sem vigor e por gastar três páginas até chegar à essência do enredo – o encontro com o anão. Apesar da renovação da linguagem e da literatura de fc (ou de gênero) proposta pelo projeto, o enredo é – e deve continuar a ser – o principal de uma narrativa de gênero, seja ela fc ou policial. Sendo assim, quando nessas narrativas há problemas de enredo, ela deve se “salvar” de outra forma – ou por sua linguagem experimental, ou pelo impacto causado, ou pela sua poeticidade tocante etc. etc. Não há, no conto supracitado, nenhuma dessas características, mas sim o objetivo de contar uma história. Uma vez que ele se propôs a apenas isso, pode-se dizer que ele falhou.

Em O novo protótipo, Roberto de Sousa Causo sabe exatamente o que quer e, a partir disso, faz/escreve com esse objetivo – contar uma boa história (aliás, excelente), com aventura e tensão do começo ao fim. Este seu conto futurista é continuação da série iniciada no primeiro número do Projeto Portal, e continuada no segundo, que discorre sobre a saga de Bella Nunes, filha de Mara Nunes. Muito bom. Vale a pena acompanhá-la, se não no Projeto Portal, pelo menos em alguma outra publicação, impressa ou virtual.

Muitos são os adjetivos que poderiam (podem) ser usados para o conto Ontem ferido, de Maria Helena Bandeira: lindo, metafórico, original, difícil, poético etc. Já em seu título, a junção das palavras causa estranheza – ontem ferido? Muitas palavras desse conto possuem novas funções na frase – ora um advérbio funciona como substantivo, ora um substantivo como adjetivo: A sacerdotisa permaneceu calada alguns minutos roxos. Violetas inundaram perceptivelmente o ambiente. Diferente, não? No conto seguinte da mesma autora, Alguém que fui, há uma tentativa de explicação que mais confunde, que mais mistérios cria. Embora a autora continue com o mesmo estilo do primeiro, o segundo conto fica aquém da poeticidade conseguida naquele. Maria Helena Bandeira é de uma leitura razoavelmente difícil que compensa.

Sérgio Tavares, para escrever o seu conto Sagrado, parece recorrer a Kotler e Porter ou a outros autores de disciplinas de graduação ou pós-graduação de Administração: O job solicitado à equipe partiu de uma Igreja que procurava, basicamente, uma prospecção da empresa para uma joint-venture de lançamento de um novo produto. Além do mais, há um exagero sem sentido no uso de estrangeirismos: ...percebemos que o trabalho iria além, exigindo também um serviço de brand equity, expansão de mercado e reposicionamento. Os períodos do conto ora são longos; a escrita ora confusa. Há, nele, uma descrição de um culto religioso inverossímil, que não convence. O final é fraco.

Kripton, um conto sobre o fim do mundo, do autor Brontops, é bom e bem escrito: alguns trechos são irônicos e engraçados. {Os quereres}, do mesmo autor, discorre sobre a possibilidade de escolha do sexo e das características do(a) filho(a). Bom. Interessante. Buraco no céu, apesar do enredo bastante clichê e explorado por vários filmes e livros (a invasão de alienígenas a Terra), é muito bom, sobretudo por causa do seu final surpreendente. Um recurso bastante interessante do conto é a citação de nomes/personagens por todos conhecidíssimos: Carla Perez, Alf, Will Smith, Chuck Norris, Bono Vox etc. É a pós-modernidade na literatura.

Artigo 15.720 (provisório), de Tiago Araújo, provavelmente faz parte de um projeto maior (uma coletânea de contos autoral com unidade temática?, uma novela?, um romance?). O futuro dirá. Curto e grosso, o conto é excelente. Sua linguagem formal proporciona à história um quê de seriedade que se transforma em ironia embutida: A estranha máquina de sucção cutânea mais lembra um aracnídeo do que um dos aparatos tecnológicos de maior utilidade deste ano da graça de 2009. A função dessa máquina é complexa e o produto que resulta do seu processo é caríssimo, até porque a procura por ele é alta: ódio. Os outros dois contos do mesmo autor são parecidos em seus títulos e propósitos (Artigo 16.831 (translúcido) e Artigo 20.053 (revelação)), mas não tão bons quanto o primeiro.

Fênix: missão urano, de Rodrigo Novaes de Almeida, é o típico conto sessão da tarde: bom, divertido (no sentido de entretenimento), com ênfase no enredo, desprovido de maiores pretensões do que contar uma história. Nele não há espaços para rodeios. Eis o seu início: Estavam todos na cabine que servia de refeitório da nave espacial Fênix (...), já fazia uma hora que o comandante Samuel Ferdinand encontrava-se na Sala de Comunicações do lado, falando com o QC da Companhia, localizado em Europa, lua de Júpiter. Após o título e este trecho inicial o leitor terá alguma dúvida do que tratará a história? Duvido.

Esses não são todos os contos da coletânea. Há mais e melhores. No entanto, esses foram os escolhidos para ser comentados. Após o Portal Stalker, o Portal Fundação foi publicado e, agora em agosto de 2010, o Portal 2001 acaba de ser lançado. Como provavelmente será difícil do leitor conseguir algum exemplar das coletâneas anteriores, basta tentar – se for do seu interesse – conseguir e ler o Portal 2001. Vários sorteios estão rolando por aí... Tente a sorte. Não vai se arrepender de conhecer esse projeto desbravador, cujo objetivo é, além de expandir as linguagens auto-impostas pela literatura de gênero, derrubar preconceitos dos autores mainstream. Tarefa difícil?


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