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 O talentoso Ripley, de Patricia Highsmith

Foram pouquíssimas as obras de um autor estadunidense que, depois de lidas, não me pareceram superestimadas. Sei que estou contrariando muitos leitores e fãs, mas é o caso da escritora Patricia Highsmith. Não sei exatamente se é a segunda ou a terceira obra que leio dela, mas - mais uma vez - me pareceu muito melhor quando falam dela do que quando a leio. Devo essa impressão a dois fatores, maiormente:

1) a sociedade estadunidense sabe se promover muitíssimo bem, em todos os aspectos, e isso não excluem seus artistas e suas obras artísticas;

2) há um certo deslumbramento e ingenuidade de outros povos (aqui cito a sociedade brasileira, em especial) em relação a todo barulho que eles (os estadunidenses) fazem sobre si mesmos, os seus e o que produzem.

Resultado disso: muitos autores dos EUA erigidos a gênios, quando não o são (na minha opinião), e muitos autores geniais brasileiros desconhecidos, por exemplo.

Com toda essa introdução (ladainha), vamos então à obra:

  • Até aproximadamente 1/3 da obra não ocorre nada de interessante, a não ser o conflito do início: Tom Ripley vê uma oportunidade de viajar para a Europa, sem gastos, e tirar proveito disso e de quem lhe propõe uma tarefa: convencer Dickie Greenleaf a voltar para casa, para os EUA, para os braços dos seus pais (Herbert e Emily, senhor e senhora Greenleaf);
  • A apresentação do conflito e das personagens duram os quatro primeiros capítulos (na minha edição da Companhia das Letras, 2012, até a pág. 32);
  • Só a partir do capítulo 5 o conflito enfim começa a se desenvolver e Tom Ripley embarca, de navio, para uma cidadezinha ao sul de Nápoles: Mongibello.
  • Para um clássico da literatura policial, como apregoam por aí, as famosas características do gênero (como surgir um policial para resolver um crime) surgem apenas na metade da obra;
Trata-se, no entanto, de um romance publicado em 1955 e, tudo indica, diferente de quase todos os outros (anteriores) do gênero por tratar de questões antes nunca (ou pouco) tratadas, como: 
  • sugestões, no decorrer da narrativa, de tendências homossexuais do protagonista (sim, pode soar estranho hoje em dia, mas há ali apenas sugestões de que ele era homossexual; em pouquíssimos momentos isso fica claro para o leitor...);
  • sugestões de que os crimes eram cometidos justamente por conta de questões mal resolvidas ou de insinuações (nunca ditas) de que Tom Ripley era gay;
  • ausência absoluta de mistério, uma vez que todos os crimes cometidos são amplamente descritos pelo(a) narrador(a) e/ou remoídos pelo próprio criminoso;
  • e, por não haver mistério, afirmá-lo como romance policial soa deveras estranho, mas é sim um romance policial, embora não seja necessariamente um romance de suspense ou mistério (o mistério se estende apenas aos outros personagens, e não ao leitor, que se depara com tudo o que ocorre em detalhes, inclusive com as estratégias de Ripley para se safar dos crimes cometidos);
  • o suspense se dá, sobretudo, nas situações em que Ripley está próximo de ser descoberto pelos outros personagens (aí, dependendo do leitor, vai torcer para que isso ocorra ou não);
  • Ripley não é um personagem raso como a grande maioria dos personagens do gênero, e aí que está o maior trunfo da obra.
O talentoso Ripley, de Patricia Highsmith, é com certeza uma grande obra (talvez menor do que apregoam, mas grande), principalmente por desvirtuar de muitas obras do gênero, criar personagens complexos e um narrador que conta a história sob o ponto de vista, única e exclusivamente, do criminoso, um ser humano ambicioso que pretende sair, custe o que custar, da sua situação de pobreza. Não há no livro, explicitamente, nenhum tipo de crítica social (a não ser pela boca do Ripley de vez em quando, que parece odiar determinadas figuras das classes abastadas, com quem ele passa a conviver), mas quem quiser analisá-lo sob essa perspectiva, não seria de todo absurda.

Vale a pena, após a leitura do livro, (re)assistir às suas adaptações mais famosas: O talentoso Ripley (1999) e O sol por testemunha (1960), este com o famoso e controversos Alain Delon em sua fase áurea. Só não vale insistir na ladainha de que o livro é bem melhor do que sua adaptação fílmica, ok? Esse tipo de comparação não faz sentido (mas isso é questão para outro texto...).

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