Manicômio (2º episódio)

Por Rogers Silva
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CASA DE RAFAEL
---- Pouco depois a mãe de Rafael chegou. Uma mulher nova, de trinta e sete anos, pele negra clara e cabelos negros, crespos e longos.
---- Rafael disse-lhe que ia à universidade, numa festa que os amigos estavam organizando.
---- __ Não foi à aula, mas na festa você vai, né?
---- __ Fica de boa, mãe.
---- __ Olhe o jeito que você fala comigo, viu?
---- __ Tô brincando, mãezinha querida – e foi a ela dar-lhe um beijo de despedida, como sempre fazia.
---- __ Tome cuidado, viu? A cidade anda muito perigosa. Você vai de a pé?
---- __ Você sabe que sempre vou a pé. É pertinho. Em dez minutos eu chego.

UNIVERSIDADE (ENTRE O BLOCO DE LETRAS E FILOSOFIA)
---- __ Você vai ficar pro luau que o pessoal tá fazendo hoje? – perguntou João Marcos a um amigo do 4º período de Letras.
---- __ Não. Não vou não.
---- __ Já que a aula acabou mais cedo mesmo, eu vou ficar um pouquinho.
---- __ Boa festa.
---- __ Falô.
---- Enquanto o colega ia embora, João Marcos ia ao local onde ocorreria o luau. Não estava muito animado. Os luais eram sempre a mesma coisa – as mesmas pessoas cantando as mesmas músicas, tocando o mesmo violão, bebendo o mesmo vinho e fumando a mesma matéria: maconha.
---- Apesar de gostar, hoje ele não estava afim de ficar durante muito tempo. Decidira ficar apenas um pouquinho.

BAR DO ZÉ
---- __ Ne-ne-nem vem encher o saco, óh-óh-óh – falou Bigode, gaguejando como sempre, aos parceiros. Tinha um olhar triste, fundo, ao redor do qual um amarelado destacado. Encontrava-se mais calado do que das outras vezes em que se encontrava com os amigos.
---- __ Quem você acha o melhor jogador da seleção? – perguntou Luís.
---- __ O-o-o Rivaldo. E o-o-o Ronaldinho.
---- __ O Rivaldo tudo bem – Manel concordou –, mas o Ronaldinho, não. Eu gosto do Cafu.
---- __ Só futebol mesmo pra unir o povo, né – Farrepa disse, repetindo o que já tinha ouvido antes. – Democrático – falou dando um certo realce à palavra.
---- __ Não sei que união é essa. Se pode ver pela Copa. Só a Globo que vai transmitir ela. Que democracia é essa? Se tivesse democracia, eu teria direito de ver em qualquer canal. Mas não, sou obrigado a ver na Globo, ouvino aqueles puxa-sacos. Um bando de bajuladores!
---- __Ih, cê é impricante, hein. Cê imprica cum tudo, sô – Farrepa, dando o último gole da cerveja.
---- Luís, entrecortando o assunto, gritou pedindo mais uma cerveja. Bigode o olhava, reparando em suas axilas descobertas, nos pêlos fartos e negros, e pensava: E-e-esse Luís é-é-é gente boa.

RESIDÊNCIA DA FAMÍLIA SILVEIRA
---- Agora que a novela acabou, a família Silveira (todos na sala), exceto João Marcos, não espera mais apreensiva o programa Big Brother Brasil 2 começar. Alfredo (pai), Maria (mãe), Bety (jovem de 15 anos) e o caçula Juninho esperavam, antes, ansiosamente o Big Brother Brasil 2 iniciar, mas, com a certeza de que num breve instante o programa começará, após as propagandas, a ansiedade diminuiu.

CASA DE BIGODE
---- Meu Fabriciano tá demorando. Faz já um tempão que ele já foi. Se essas perna num doesse tanto, eu iria lá no bar, vê se ele tá lá. São só três quarteirões mesmo. Velho é um poblema. Não poderia existir velho não. A gente podia morrer com, no máximo, cinqüenta anos de idade. Mas não, alguns têm que agüentar até uns oitenta. Toda vez que ele sai, eu fico assim preocupada. Ele com aquele poblema dele. Aquilo que atrapalha ele. Se não fosse aquilo, ele estaria bem melhor. Por isso eu tenho medo. Por causa daquele poblema dele.
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* Continua no dia 29 de março.
** Do livro Manicômio, ainda inédito.
*** Publicado anteriormente no site O BULE.

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